Parafraseando Guimarães Rosa, nasce o ano escolar, tudo começa de novo. A esperança teima de continuar viva malgrado as noites frias que pesam sobre nós. Estarrecemo-nos diante da história, que mergulha em escuridões de guerra, de Gulags, de Auschwitz e no entanto se recarrega de esperança, de utopias, lá onde menos se esperava. De fato, diz o poeta Manoel Bandeira: “Ah, como dói viver quando falta a esperança!”. O Brasil dá enorme exemplo de recuperar a esperança a cada eleição que chega, mesmo que a anterior tenha trazido dissabores pela derrota ou pela decepção dos eleitos. Estamos em ano eleitoral para prefeito.
O marxista ateu Ernst Bloch tem razão ao dizer que o homem vive enquanto aspira e espera. Só que ele, na obscuridade do ateísmo, não alcança a raiz última dessa força existencial. K. Rahner avançou mais fundo ao ir às raízes antropológicas da esperança. “Sou o que espero com liberdade”. E a liberdade é a capacidade que temos de realizar-nos no mais profundo de nosso ser e de modo definitivo. Então a esperança pertence à constituição mesma de nosso ser. Nunca deixaremos de esperar. Ou de um modo negativo, se desaparecesse em nós a esperança, regrediríamos à noite animal de onde viemos.
O poeta Carlos Drummond versejando sobre a bomba a vê como um câncer, uma besta confusa, mas conclui a poesia com a esperança de que o homem a liquidará. Só uma teimosa esperança consegue afirmar contra toda evidência do momento atual de que acabaremos com a bomba, quando ela até o nome de mãe recebe e semeia milhares de mortes nas contínuas guerras inventadas pelo coração amargo e ganancioso dos desejos de lucro.
Um jornalista guatemalteco, ameaçado de morte na luta pela justiça, também protestava contra a clareza dos fatos. “Nem eu nem ninguém estamos ameaçados de morte. Estamos ameaçados de vida, ameaçados de esperança, ameaçados de amor...Estamos enganados. Nós, os cristãos, não estamos ameaçados de morte. Estamos “ameaçados” de ressurreição.”
Deixando esse terreno do aquém, Santo Tomás resume a teologia da esperança bíblica numa frase. “Não se deve esperar de Deus algo menos do que ele mesmo”. Por isso K. Rahner nos aconselhava fazer uma única oração: “Pedir Deus a Deus”. Santo Agostinho aproxima de nós e sussurra. “Assim nos faz Deus: fazendo esperar (adiando), amplia o nosso desejo; suscitando em nós o desejo, amplia o nosso coração; ampliando (o coração), ele o faz capaz de acolhê-Lo”. Deus brinca conosco no sentido lindo do lúdico. Exatamente como a mãe que se esconde do filho pequenino, para que ele corra pela casa a sua procura e a envolva num abraço de carinho e ternura. A esperança habita em nós sob a forma de saudade de Deus. “Teu amor”, escrevia o místico islâmico Rumi, “chegou a meu coração e partiu feliz. Depois retornou e se envolveu com o hábito do amor, mas retirou-se novamente. Timidamente, eu lhe disse: “Permanece dois ou três dias” Então veio, assentou-se junto a mim e esqueceu-se de partir”.
A esperança existirá sempre porque Deus nos visitou em seu Filho Jesus, e este ao partir, não quis deixar-nos órfãos (Jo 14, 18) e enviou-nos o Paráclito (Jo 16, 7), que permanecerá conosco para sempre (Jo 14, 16). A nossa esperança não se funda num futuro a vir, mas na certeza de um presente que se desvelará plenamente no final dos tempos. Toda esperança é um já e ainda não. Já do Espírito presente e ainda não da vitória sobre o mal e a morte. Guimarães Rosa fecha belamente essa reflexão: “Como não ter Deus?! Com Deus existindo, tudo dá esperança: sempre um milagre é possível, o mundo se resolve. Mas, se não tem Deus, há-de a gente perdidos no vai-vem, e a vida é burra. É o aberto perigo das grandes e pequenas horas, não se podendo facilitar - é todos contra os acasos. Tendo Deus, é menos grave se descuidar um pouquinho, pois, no fim dá certo”.
*João Batista Libânio é téologo