Recentemente eu escrevi sobre a violência, que infelizmente a cada dia se faz rotineira, e citei a tragédia ocorrida no Egito, durante uma partida de futebol. Na ocasião eu disse que não estávamos imunes à tragédias daquele porte. E fui contestado, com alegações de que algo daquele jeito não aconteceria em nosso país.
Hoje, vendo as imagens do final de semana, nas horas que antecederam o clássico Corinthians e Palmeiras, posso afirmar que tivemos sorte. A tragédia desenhada no Egito teve, aqui na zona norte paulistana, um rascunho que deixou dois mortos, alguns feridos e muita gente assustada. E bem sabemos que, por muito pouco, não tivemos algo igual ou pior.
Aos que, ingenuamente acreditam que a situação não é tão grave, basta lembrarmos que o seio das torcidas organizadas é um antro de terror. O conceito de “nação”, tão difundido pelos meios de comunicação para definir a paixão por esta ou por aquela equipe, está formando legiões de fanáticos, dotados de pouca inteligência e maldade aprimorada. Em bandos, o coletivo fala mais alto, e o comportamento ganha contornos animalescos.O jogo, espetáculo em si, na verdade não importa. O que importa é o desafio, a ofensa, o palavrão, a música ofensiva, a humilhação, a agressão, a perversão, a vontade de dominar o torcedor contrário, agredir. E, nessa somatória, o resultado é o pior possível.
Na verdade estamos perdendo o hábito de nos indignarmos, e o motivo é fácil de ser identificado: a violência virou algo rotineiro e adotou contornos diferentes, matizes mais ou menos intensos, embalagens variadas, mas o conteúdo é o de sempre, e as conseqüências, sempre doloridas.
Para quem viveu os áureos tempos do nosso futebol, basta lembrarmos que, juntos na arquibancada, lado a lado, torcedores de times contrários faziam a festa e não hesitavam em aplaudir as bonitas jogadas, mesmo do jogador adversário. Soltavam-se rojões, levava-se guarda-chuvas, a cerveja era vendida em garrafas, leva-se bandeiras, e o mastro não era usado para agressões. Quase não se viam mulheres nos estádios, algo bem diferente do que ocorre hoje.
Hoje, a presença feminina é constante, mas a realidade não deixa de ser muito dura. Bem diferente do que havia no passado, hoje elas também participam do coro, lado a lado com os homens, no palavrão constante. O respeito, se existe, passa muito longe dos estádios. Tão longe que os arredores do estádio não passam de extensões do que ocorre lá dentro; tão longe que se transforma em violência e explode muito além, pouco importa seem Vila Brasilândiaou no Itaim Paulista; se na região do ABC ou no extremo sul. É semelhante ao líquido derramado e que se expande, e que a cada dia fica mais difícil de ser contido.
*Vitor Sapienza é deputado estadual (PPS), presidente da Comissão de Ciência, Tecnologia e Informação, ex-presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo, economista e agente fiscal de rendas aposentado. Acesse: www.vitorsapienza.com.br