De tempos em tempos a indústria de cigarros volta a ser assunto na imprensa. Na quarta-feira passada a Vigilância Sanitária proibiu a venda de cigarros e outros produtos feitos com tabaco que contenham aroma e sabor. Claramente, é uma tentativa de o governo inibir o “prazer” eventual que esses produtos possam apresentar aos fumantes. Há décadas os governos têm tomado medidas contra o cigarro. O maior dos argumentos é a grande quantidade de malefícios à saúde do fumante. Pesquisas indicam que haja centenas de aditivos químicos na fabricação dos cigarros prejudiciais à saúde.
É interessante notar que grande parte dessas informações é de conhecimento geral. Há em muitos lugares a proibição do ato de fumar em lugares públicos. Mas, mesmo assim, apesar do número de fumantes ter diminuído nos últimos anos, existem no Brasil entre 30 e 40 milhões de fumantes.
A questão do cigarro acaba sendo discutida pelo governo como um problema de saúde pública, o que desemboca em uma questão financeira. O discurso da indústria tabagista também gira em torno do dinheiro, quando acusam o governo de tolher um negócio que gera grande quantia de dinheiro aos cofres públicos. O segundo discurso é coerente com as suas premissas. O primeiro argumento acaba quantificando o indivíduo.
Particularmente, detesto cigarro. Minha questão é outra: até onde o governo pode interferir na vida privada dos cidadãos?
Dar informações relevantes é papel do Estado (“o cigarro é um produto que pode causar mal à saúde”), mas quando dita como se deve comportar na vida privada (“é proibido fumódromos em lugares fechados”, mesmo quando só existam fumantes no local), pressupõe que os seus cidadãos não têm discernimento próprio. O governo que se comporta assim se coloca como um pai que toma para si o papel de ensinar aos filhos bons comportamentos. Maior problema ainda é quando o Estado paternalista dá a impressão de fazer tudo pelo bem estar dos cidadãos.
Ficamos numa situação acomodada. O Estado passa a decidir sobre as mais particulares questões e nos convence de que está sempre com a razão. O governante estende suas ações em todas as atividades humanas e, sem perceber, acabamos moldados por ele. Consequentemente, nossa liberdade diminui quando se entrega com extrema confiança todas as deliberações de nossa vida ao Estado. Em outras palavras, também ilustra isso Alexis de Tocqueville (1805-1859) em sua obra A democracia na América: “Há em nossos dias muita gente que se acomoda facilmente com essa espécie de compromisso entre o despotismo administrativo e a soberania do povo e que pensa ter garantido a liberdade dos indivíduos quando a entregam ao poder nacional. Isso não me basta!”.
Também a mim não basta!
Desconfie de todo argumento que se inicia com a expressão: “Para o bem estar do cidadão...”. É uma frase bastante perigosa. O Estado pode utilizá-la para justificar qualquer atrocidade.
*Émilien Vilas Boas Reis é graduado em Filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais